BIODIVERSIDADE, Conceitos e Valores
( imagem: praia do Vale Furado (Pinhal de Leiria) coberto vegetal queimado sobre a falésia após incêndio de 15 outubro 2017)
Define-se Biodiversidade
como a variedade entre os organismos vivos de qualquer origem incluindo, entre
outras coisas, a terrestre, a marinha e outros ecossistemas aquáticos, e os
complexos ecológicos de que eles fazem parte; isto inclui a diversidade dentro
das espécies, entre espécies, entre espécies e ecossistemas. (Millennium Ecosystem Assessment (2005)):
Biodiversity is defined as
“the variability among living organisms from all sources including, inter alia,
terrestrial, marine and other aquatic ecosystems and the ecological complexes
of which they are part; this includes diversity within species, between species
and of ecosystems.
Ela é o suporte dos
ecossistemas que, através dos serviços que prestam, afetam o bem estar humano. Medir a biodiversidade com rigor não é uma
tarefa fácil, apesar dos dados disponíveis. Isto é, não é possível ter um único
indicador de biodiversidade. No entanto é possível medi-la por um conjunto de
diversos indicadores embora os dados disponíveis nem sempre sejam os desejáveis.
Mede-se a quantidade de espécies num dado lugar e tempo, as diferentes funções,
a interacção entre espécies e as suas dinâmicas, as suas variações, etc. (Millennium
Ecosystem Assessment (2005).
Avaliar a biodiversidade
passa por definir: Porque queremos avaliar, o que vamos avaliar, e como vamos
avaliar (Araújo, M. 1998).
Vivemos um momento
histórico dramático no que às alterações de biodiversidade diz respeito. Não só
essas alterações se aproximaram das grandes extinções do nosso passado
geológico, como as ultrapassam num factor determinante: a extinção em larga
escala da flora (Wilson E.O. 1988). Estima-se que a extinção de espécies no
presente é 1000 vezes maior do que a do registo fóssil. No futuro poderá ser
dez vezes maior que a actual. (Millennium Ecosystem Assessment (2005).
As causas são diversas
mas as de maior impacto prendem-se com a destruição das barreiras de coral, deterioração
das zonas húmidas costeiras,
desaparecimentos dos lagos geologicamente mais antigos e o corte das
florestas tropicais pluviais. De todas as causas, o desaparecimento da floresta
húmida tropical é o que maior impacto produz por ser a que possui maiores
índices de biodiversidade e porque o seu desaparecimento se faz a uma escala
muito rápida (Wilson E.O. 1988). A perda da biodiversidade tem como
consequência a instabilidade dos ecossistemas reduzindo o bem estar e as opções
de escolha e acção. Aumenta a vulnerabilidade aos desastres naturais, diminui a
segurança alimentar, as condições sanitárias, a segurança energética, a
provisão de água potável, e deteriora as relações sociais (Millennium Ecosystem
Assessment (2005))
(imagem: pinhal de Leiria após o incêndio de 15 outubro de 2017)
Dados os acontecimentos
trágicos que aconteceram em Portugal nos últimos meses com os incêndios
florestais, importa perceber qual o impacto dos mesmos na biodiversidade. A perda
parece desde logo evidente, porque é visível o desaparecimento de todo o
coberto vegetal do solo e o desaparecimento de espécies animais quer por acção direta
do fogo quer pelo desaparecimento dos seus habitats. No entanto o impacto na
biodiversidade de um dado ecossistema provocado por um fogo é muito variável
podendo até ter resultados inesperados (Marques A.F.
2009).
O fogo afeta a
biodiversidade, quer nas espécies animais quer nas vegetais (escondidas e
aparentes). Há, no entanto, uma interação entre o fogo e as plantas, porque são
estas o combustível que abastece o fogo que as destrói. Os animais, os que não
morrem no fogo, são afetados porque são as plantas que lhes fornecem o
alimento, a proteção e o abrigo. Importa pois, para perceber o impacto de um
fogo na biodiversidade e o funcionamento de um dado ecossistema, estudar o grau
de dependência do fogo e dos animais nas plantas que o suportam (Gill, A.M.
1996).
… os efeitos do fogo ao nível da biodiversidade do
ecossistema dependem essencialmente do estado de evolução desse mesmo
ecossistema e da frequência de ocorrência do fogo (período de tempo entre cada
fogo). (Marques A.F. 2009).
A regeneração após o fogo
leva a que, a longo prazo, se recupere a situação pré fogo, repondo a
biodiversidade com algum benefício que advém do seu rejuvenescimento e melhoria
do comportamento face ao fogo (Marques A.F. 2009) (Oliveira S. e Fernandes P. 2009). No entanto, até à
regeneração total, e num prazo mais ou menos longo, um incêndio tem
consequências graves para o território, tornando-o mais vulnerável quer nos
aspetos naturais e paisagísticos, quer nos serviços que presta. Para além da
perda de vidas humanas e bens materiais, com consequências dramáticas na
sociedade, há a imediata perda de biodiversidade com a morte de animais e
plantas, destruição da paisagem, erosão dos solos (perda de nutrientes), perigo
de enxurradas com a consequente deposição de matéria aluvionar nos cursos de
água. Se a biodiversidade é afetada pelas alterações climáticas, a perda da
mesma após um incêndio, para além da libertação de gases de efeito estufa
durante esse mesmo incêndio, reduz a capacidade de absorver e reter o CO2. O
aparecimento das espécies invasoras na primeira fase da regeneração
(biodiversidade escondida), pode atingir proporções indesejáveis devido à ausência
de ensombramento (Filipe M. e Serralha N., 2015) (Marques A.F. 2009).
(Imagem: Pinhal de Leiria, germinação de cana, arundo donax, 12 dias após o incêndio de 15 de outubro 2017)
Noticias dizendo que as
chamas consumiram integralmente o medronhal de São Pedro de Alva, o primeiro
medronhal certificado do mundo, ou que morreram 3 000 ovelhas responsáveis
pelo queijo da serra, ex líbris
nacional, ou 5 000 aves de capoeira, expressam bem o valor da
biodiversidade e como a sua perda afecta a vida económica e social das
populações. Acrescente-se a perda de espécies selvagens, cinegéticas ou não, de
abelhas produtoras de mel e cera além de agentes polinizadores, da madeira, dos
frutos, da cortiça e da resina. Se somarmos a isto a perda das vidas humanas e
a destruição de bens materiais, alguns irrecuperáveis devido ao seu valor
histórico e/ou simbólico, o quadro é dramático. A tragédia e a vontade de não
vê-la repetida leva à procura de soluções pouco pensadas, como a de prevenir os
fogos, em vez de se estudar soluções para os controlar prevenindo os seus
malefícios, podendo levar a que caminhemos em direcção de outros incêndios
ainda maiores.
Se é verdade que a
pressão humana alterou o ciclo natural dos incêndios, também é verdade que o
despovoamento do território, com a consequente diminuição da pressão agrícola e
pecuária, aumenta o potencial combustível dos sistemas, alterando a paisagem e
o regime dos incêndios, que tendem a aumentar (Pedra B. D., 2003). O despovoamento do território leva muitas
vezes à introdução de monoculturas florestais, para obtenção de mais valia, com
evidente perda de biodiversidade.
(imagem: Pinhal de Leiria, resinagem em zona não afectada pelo incêndio)
As florestas são cruciais para o bem
estar da humanidade. Fornecem os fundamentos para a vida na Terra através de
funções ecológicas, regulando o clima e os recursos de água, e servindo de
habitat para plantas e animais. As florestas providenciam também um leque
variado de bens como madeira, alimento, pasto para os animais e medicamentos, a
que se soma a oportunidade de recreação, renovamento espiritual e outros
serviços. FAO, Roma
2001
João Alves
Outubro 2017
Bibliografia:
- · Millennium Ecosystem Assessment (2005) Ecosystems and Human Well-being: Biodiversity Synthesis. World Resources Institute, Washington, D.C)
- · Araújo, M. (1998) "Avaliação da biodiversidade em conservação", Silva Lusitana
- · Wilson, E.O. (1988) " The current state of biological diversity ". In Biodiversity. National Academy Press, USA.
- · https://www.revistaecosistemas.net/index.php/ecosistemas/article/viewFile/585/553 (BEATRIZ DUGUY PEDRA Interacción de la historia de usos de suelos y el fuego en condiciones mediterráneas. Respuesta de los ecossistemas y estructura del paisaje. Tesis Doctoral Departamento de Ecología. Universidad de Alicante. Septiembre 2003 Dirección: V.R. Vallejo Calzada.
- · https://dspace.uah.es/dspace/bitstream/handle/10017/1068/Recuperaci%f3n%20y%20Regeneraci%f3n%20de%20Ecosistemas%20Mediterr%e1neos%20Incendiados.pdf?sequence=1 (Louis Trabaud, Recuperación y regeneración de ecossistemas mediterrâneos incendiados)
- · http://www.scielo.mec.pt/pdf/slu/v17n2/v17n2a04.pdf (Regeneration of Pinus and Quercus After Fire in Mediterranean-Type Ecosystems: Natural Mechanisms and Management Practices Sandra Oliveira e Paulo Fernandes)
- · http://naturlink.pt/article.aspx?menuid=3&cid=89043&bl=1&viewall=true (O Fogo e a Biodiversidade. Alexandra Fonseca Marques)
- · http://www.anbg.gov.au/fire_ecology/fire-and-biodiversity.html#INT (How Fires Affect Biodiversity by Dr A. Malcolm Gill (1996))
- · https://dica.madeira.gov.pt/index.php/outros-temas/florestas/1154-os-impactos-e-consequencias-dos-incendios-florestais (Os impactos e consequências dos incêndios florestais. Manuel Filipe e Nuno Serralha. Direção Regional de Florestas e Conservação da Natureza )
- http://www.fao.org/docrep/006/AD653E/ad653e00.htm GLOBAL FOREST FIRE ASSESSMENT 1990-2000 Rome, 2001)
- · http://www.epal.pt/EPAL/docs/default-source/epal/biodiversidade/informa%C3%A7%C3%B5es/3%C2%BA-workshop/comunica%C3%A7%C3%B5es/contributos-para-a-gest%C3%A3o-activa-e-sustent%C3%A1vel.pdf?sfvrsn=10 (Recuperação da vegetação pós-fogo e intervenções de curto prazo para minimização de impactes pós-incêndio Nuno Guiomar)
Caro João:
ResponderEliminarSendo natural de Coimbra e tendo vivido um ano na Praia da Vieira fiquei e continuo abalada com os incêndios que acabaram com a pouca biodiversidade que já tínhamos e claro como a restante população interrogo-me porquê ... é claro que houve mão criminosa e muitos interesses nestes incêndios mas como bióloga tenho outras respostas que nos podem esclarecer um pouco:
Antes da última glaciação, Portugal estava coberto por uma floresta sempre-verde (laurisilva). Após o período glaciar, a temperatura voltou a subir, ficando o país com um clima temperado como o actual. A floresta portuguesa é característica de um clima mediterrânico e, em tempos idos, era constituída em larga escala por espécies como o carvalho-alvarinho(Quercus robur), o castanheiro (Castanea sativa), a azinheira (Quercus rotundifolia), o sobreiro (Quercus suber), o medronheiro (Arbutus unedo) e a oliveira (Olea europaea). Por destruição dessas florestas, particularmente com a construção das naus (três a quatro mil carvalhos por nau) durante os Descobrimentos (cerca de duas mil naus num século) e da cobertura do país com vias férreas (travessas de madeira de negral ou de cerquinho para assentar os carris), as nossas montanhas passaram a estar predominantemente cobertas por matos de urzes ou torgas, giestas, tojos e carqueja. Em todo o país, ao longo dos tempos, a floresta foi degenerando em matagal (maquis) ou em charneca (garrigue). A partir do século XIX, após a criação dos "Serviços Florestais", foram artificialmente re-arborizadas com pinheiro-bravo (Pinus pinaster), tendo-se criado a maior mancha contínua de pinhal na Europa. A partir da segunda década do século XX, efectuaram-se intensas, contínuas e desordenadas arborizações com eucalipto (Eucalyptus globulus), tendo-se criado a maior área de eucaliptal contínuo da Europa.
Atualmente a monocultura, o êxodo rural e o fim dos guardas florestais levaram à desumanização das nossas montanhas pelo que, mal um incêndio florestal eclode, não está lá ninguém para acudir de imediato e, quando se dá por ele, já vai devastador e incontrolável (o pinheiro resinoso e o eucalipto produtor de óleos essenciais, produtos altamente inflamáveis). Desta maneira, o nosso país tem já algumas montanhas transformadas em zonas desérticas que depressa serão ocupadas por exóticas infestantes como as acácia. (Acacia sp.).
Cumprimentos e até breve
Ana Marta
João, uma excelente reflexão sobre a biodiversidade e o seu valor, focando um exemplo real, terrível, que vivemos recentemente. Muito bem conseguido. Apenas um comentário estrutural: as referências bibliográfica devem ser uniformizadas de acordo com um das normas em vigor; ex.
ResponderEliminarpara artigo: Apelido(s), Nome . (Ano). Título de artigo, revista científica, volume da revista, páginas, (http ou Doi)
para capítulo de livro:
Apelido(s), Nome . (Ano). Título da parte ou do volume. In Autor (forma directa do nome), Título do livro (pp.). Local de publicação: Nome de editor.
Iremos disponibilizar essa informação na plataforma.
Até breve, Paula Nicolau