AMEAÇAS À BIODIVERSIDADE
A maior ameaça à
biodiversidade é a ignorância. Vivemos num período em que a perda da
biodiversidade cresceu exponencialmente nos últimos 100 anos (MEA, 2005) e, no
entanto, o valor da biodiversidade, e a sua importância para o nosso bem-estar,
ainda não foi percebido pela maioria da população mundial apesar desse valor nos
ser contado há milénios através de um mito fundador da nossa cultura ocidental:
a arca de Noé. Trabalhando na administração municipal é com perplexidade que me
dou conta, para além da ignorância dos agricultores em perceber o ecossistema
em que se integram, do completo alheamento dos novos moradores que, depois de
uma vida de trabalho na cidade procuram o campo para repouso e fruição da
paisagem e da natureza, e ficam incomodados com o galo que os acorda de
madrugada, com a sujidade das ruas após a passagem dos rebanhos, com a árvore
em frente da porta que se enche de pássaros que lhe sujam a entrada, ou com as
folhas que caem no outono, clamando por espécies de folha persistente (quanto
mais exóticas melhor porque dá ares de moderno), convencendo o poder político
porque todos os votos contam.
Para além da ignorância,
outros factores indirectos para a perda da biodiversidade são a demografia, a
economia, os movimentos sociais e políticos, a cultura e a tecnologia. Os factores
diretos prendem-se essencialmente com as alterações climáticas, as alterações
bióticas, a sobre-exploração, a poluição e as alterações de habitat causadas, por
exemplo, pela transformação do uso do solo, pelo armazenamento da água dos
rios, e pelos métodos de pesca (MEA, 2005).
Embora difícil, os
factores que provocam perda de biodiversidade podem ser geridos e controlados
com excepção das alterações climáticas que, independentemente da discussão
sobre as suas causas, só nos resta tentar preveni-la com a redução de gases de
efeito estufa, e minimizar os seus efeitos. As alterações climáticas assumem,
assim, uma perspetiva dramática. Os seus efeitos são a perda de biodiversidade
e extinção de espécies, falta de água e da sua qualidade, risco de inundações
seguido de períodos de seca, diminuição da produção de energia por via hídrica
ou biomassa, aumento da incidência de doenças como a malária, dengue e cólera,
diminuição da produtividade agrícola na zona tropical e sub-tropical, e diminuição
dos bancos de pesca. As alterações climáticas associadas aos outros factores
limitarão a migração de espécies e dificultarão a possibilidade das espécies
sobreviverem em habitats fragmentados (MEA 2005).
O DESPOVOAMENTO EM
PORTUGAL E O ABANDONO DA AGRICULTURA TRADICIONAL
Em Portugal o fenómeno
demográfico negativo contribui, numa primeira abordagem, a favor da
biodiversidade. O abandono da agricultura está a ter um efeito neutro ou
positivo nalgumas regiões, tendo até permitido o regresso de algumas espécies como
o veado, o corço, o esquilo e a cabra montesa. No entanto, o abandono da
prática cerealífera tem o efeito negativo de perda de aves (Domingos, T. 2009). Na região onde trabalho (estremadura)
é notório o aumento da presença de javalis cuja presença, contudo, desagrada os
agricultores pelos efeitos nefastos que causam a pomares e vinhas. O abandono
das terras e da agricultura tradicional está a levar a que grandes propriedades
sejam adquiridas para construção de mega projetos turísticos ou para agricultura
intensiva com recurso ao regadio, como o olival, tornando o desenvolvimento
rural insustentável a médio e longo prazo ( Quercus, 2008).
O despovoamento do mundo
rural, que podia fazer supor o renascimento de uma biodiversidade originária, tem
trazido a apetência pela florestação com espécies exóticas em monocultura
ocupando grandes áreas, e a agricultura intensiva com estabelecimento de
pomares de uma única espécie, também em grandes áreas e usando a rega, com
efeitos adversos na biodiversidade e nos serviços dos ecossistemas. O aumento
das plantações de eucalipto e pinheiro em regime intensivo, associado à escassa
e fragmentada floresta nativa, aumenta a frequência dos fogos e tem efeitos
negativos sobre a biodiversidade constituindo uma grave ameaça à conservação da
diversidade de espécies (Proença V. et al 2009).
CONCLUSÃO
O despovoamento do mundo
rural pode e deve ser encarado de forma positiva levando a que se recupere a
floresta nativa, desde que se promovam formas de desenvolvimento sustentável,
que não tem necessariamente de passar pela proibição do eucalipto ou do pinheiro,
desde que não provoquem grandes fragmentações do território e que sejam
incentivadas a manutenção e a conservação das galerias ripícolas. O
desenvolvimento destas área pode passar pelo incremento de uma agricultura baseada
em produtos biológicos, uma pecuária e criação de aves em regimes não
intensivos e de pastoreio de forma a produzir produtos de qualidade para nichos
de mercado de alto valor. Reencontrar mais valia para a floresta tradicional com
o uso dos produtos da floresta como cogumelos, frutos silvestres e plantas
medicinais e introdução da bolota na alimentação, a par da castanha. A transformação
das aldeias e casas em lugares de segunda habitação inseridas num planeamento
que promova a sua recuperação e não a construção de novo, diminuindo a impermeabilização
do solo, quer para o turismo quer para a habitação de nacionais e estrangeiros
em idade de reforma. Promover um turismo não de massas, mas compatível com a
conservação da natureza (Proença V. et.al 2009).
Para isso é preciso
despertar consciências quer da população em geral quer dos políticos locais,
para que sejam implementadas medidas a nível local que façam frente aos grandes
grupos económicos. Para isso é necessário apostar fortemente na informação e
divulgação, de forma não paternalista, procurando criar cidadãos responsáveis.
As mudanças climáticas e
a perda e ganho de biodiversidade são processos naturais da Terra, podendo, por
isso, levar ao desinteresse e ao baixar de braços. É necessário explicar que
sendo a biodiversidade o maior componente dos ecossistemas que sustentam e
preenchem a vida humana, ela é também substancialmente responsável pela
resiliência dos serviços prestados por esses ecossistemas quando sujeitos às
pressões das alterações climáticas e de outras factores ambientais.
(Bacelar-Nicolau, P & Azeiteiro, 2015)
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Bibliografia:
MEA: Millennium
Ecosystem Assessment (2005) "Causes of Biodiversity change", pp. 8-10.
"What are the current trends and drivers of biodiversity change and their
trends", pp. 42-59. "What is the future for biodiversity and
ecosystem services under plausible scenarios?", pp.60-69
Domingos, T.: Domingos. T. (2009) "Promotores de
alterações nos ecossistemas"
Proença V. et al: Proença, V. et al. (2009)
Biodiversidade in "Ecossistemas e Bem-estar humano - Avaliação para
Portugal do Millennium Ecosystem Assessment" Escolar Editora
Bacelar-Nicolau, P & Azeiteiro; U.M.
(2015) “Changes in flora and fauna on terrestrial and aquatic
environments as the climate warms”. Universidade Aberta
Olá João Alves!
ResponderEliminarDe facto a ignorância relativamente ao valor dos serviços prestados pelos ecossistemas tem muitas vezes impedido a diminuição de muitos dos promotores de alteração dos ecossistemas. Persiste a ideia de que as nossas opções de consumo não terão grande influência e, por isso, não vale a pena, tem de ser alguma entidade a fazer alguma coisa.
O mesmo se passa com a sobreexploração de recursos, um dos promotores diretos de alteração dos ecossistemas. Apesar da legislação de proteção e de definição de períodos de defeso de diversas espécies aquáticas há sempre a ideia que a quantidade que apanho não é suficiente para causar danos, por isso não faz mal. A sobreexploração dos recursos marinhos serve muitas vezes para alimentar a economia paralela, ignorando as consequências a longo prazo. Existe alguma fiscalização mas as coimas aplicadas são baixas e, por isso, pouco dissuasoras do comportamento. Neste momento esta é uma das mudanças urgentes necessárias.
Cumprimentos,
Isabel Campos
Olá João Alves:
ResponderEliminarNa minha opinião é muito mais do que ignorância, é o egoísmo. Da mesma maneira que se esqueceu o mito do dilúvio e da arca de Noé esqueceu-se também o bem comum da humanidade para cada um só pensar no (seu) bem particular. Se fosse só a ignorância, com educação e formação conseguiríamos que todos pensassem a longo prazo com equilíbrio, satisfazendo todos sem prejudicar ninguém.
Para que a biodiversidade seja efetivamente protegida, é fundamental que seja feito o uso sustentável dos recursos que a natureza oferece. Para isso, são necessários investimentos e pesquisas para descobrir fontes alternativas de recursos, fiscalização no que diz respeito à exploração da natureza e à poluição, bem como a criação de maiores áreas de proteção ambiental.
Entretanto, nenhum esforço será suficiente se não houver mudança na consciência da população. É fundamental que todos entendam a importância de cada ser vivo para o planeta e compreendam que a destruição de qualquer espécie afeta diretamente a nossa vida.
Cumprimentos
Ana Marta Conceição
Olá João Alves,
ResponderEliminarÉ certo que as áreas rurais ocupam a maior parte do território de Portugal e apresentam uma grande diversidade em relação às suas características, problemas e potencialidades, sendo consensual que constituem áreas de grande vulnerabilidade. Estas áreas apresentam inúmeras fragilidades, como a acentuada perda e envelhecimento populacional, o predomínio de explorações de pequena dimensão económica, bem como carências ao nível dos equipamentos e infraestruturas, sendo que estas particularidades são conducentes ao abandono de terrenos agrícolas e florestais. A passagem de uma sociedade rural para uma sociedade predominantemente urbana, nas últimas décadas, originou o despovoamento destas áreas, com grandes impactos a nível local, de que é exemplo a diminuição da recolha de biomassa para utilização doméstica, provocando um elevado crescimento de vegetação combustível. Ora, esta vegetação associada a verões quentes e secos, e cada vez mais prolongados, facilita a propagação de incêndios, com consequências ambientais e socioeconómicas extremamente danosas.
O desenvolvimento rural tem sido, assim, alvo de uma crescente preocupação nas políticas do desenvolvimento regional na União Europeia, vincado nas diferentes reformas da Política Agrícola Comum, com o surgimento de diversas medidas flexíveis, de que é exemplo o Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural (FEADER), ou ainda outros projetos como a Iniciativa LEADER que, através dos Planos de Desenvolvimento Local, foram incentivando projetos de desenvolvimento rural integrado.
A prosperidade das zonas rurais, considerando a grande variedade de recursos endógenos que apresentam, é assim entendida como um eixo fundamental não só para o bem-estar da população em geral, mas também para a manutenção do equilíbrio ecológico e do tecido socioeconómico envolvente, orientada permanentemente para a proteção dos valores ambientais e paisagísticos, ricos e diversificados, garantindo a sustentabilidade e a harmonia das suas mais-valias.
Cumprimentos,
Sandra Duarte
De facto a ignorância é um dos grandes perigos actuais, não só relativamente à problemática da perda da biodiversidade e ao ambiente no geral, mas relativamente a tudo o que nos rodeia - desde à política com a escolha do nosso voto, à discriminação relativamente aos diferente, à insegurança social e pessoal relativamente ao desconhecido, às nossas acções mais básicas do dia-a-dia relativamente às suas consequências. A verdade é que a ignorância é mais fácil, ou como dizem os ingleses, "ignorance is bliss". Não ter consciência que ao se comprar aquela camisa gira naquela loja x estamos a financiar trabalho escravo onde as pessoas vivem em condições desumanas, sujeitas a por exemplo sofrer doenças devido aos químicos das tintas, torna muito simples e "leve" o acto de a comprar. E quem diz roupa diz quase tudo. Tudo tem uma implicação na nossa sociedade altamente globalizada e complexa. Os alimentos que quase todos vêm numa embalagem de plástico, o nosso jardim que consome água, os nossos aquecedores (que as casas portuguesas são tudo menos maravilhosas em eficiência energética) consomem energia que vem na sua maioria de fontes de energia não renováveis, etc etc. Com o estilo de vida que hoje em dia levamos é tão fácil quanto pedir um bife num restaurante para nos sentirmos encostados à parede numa decisão de consciência - e todos os litros de água que estão por trás de todas as vacas para todos estes biliões de gente? E isto são questões de uma leveza enorme - roupa, bife ou não, gel de duche ou sabonete? - mas quando estas questões se tornam mais relevantes e se encontra envolvido o meio de subsistência de uma pessoa, como é caso dos agricultares, o caso toma outra figura. De facto, com as dificuldades que se fazem sentir como é suposto chegarmos a um agricultor e dizer que não pode usar aquele pesticida porque se vai infiltrar nos lençóis de água e contaminá-los se sem ele se arrisca a perder toda a sua colheita quando a alternativa está fora do seu alcance económico? Ou como se vai a dizer a uma sociedade pequena de agro-pecuária que respeitem e façam uma gestão responsável dos recursos naturais como o solo sem a sua exaustão, a qualidade do ar, o uso da água de forma sustentável quando esta se encontra a competir num mercado ditado pelos preços de quem faz produção em massa? É de facto necessária uma educação de toda a gente, urgentemente de quem tem como profissão explorar recursos naturais, mas terá de ser uma educação assistida financeiramente, com apoios para a transição necessária. E definitivamente concordo consigo, "Para isso é preciso despertar consciências quer da população em geral quer dos políticos locais, para que sejam implementadas medidas a nível local que façam frente aos grandes grupos económicos. Para isso é necessário apostar fortemente na informação e divulgação, de forma não paternalista, procurando criar cidadãos responsáveis.". Acredito que quando os cidadão forem educados ambientalmente e de que nos tratamos apenas de parte de um ecossistema, aprenderão a ser de facto apenas parte dele, a preservá-lo e as nossas prioridades talvez passem a ser outras.
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